alimento-me de pétalas no meu sono, adormeço como se respirasse por dentro os jardins de um palácio oculto no alto do mundo. desperto perfumada e borboleta sem cuidados, a esvoaçar na sombra do encontro, inciente dos limites do meu tempo. venho ao pólen, venho ao prazer das flores, venho calmamente ao lago dos teus olhos beber a manhã mais pura, tenho sede de te ver . das tuas mãos tenho uma fome subliminar, aquela que nos escolhe na noite e se instala nos lábios. venho casualmente pela ribeira cantar-te as manhãs e as flores que a noite deu, as efémeras papoilas, os lírios vindos do céu. venho a ti com o rosto e as mãos num rubor de ternura. orvalho-me no meu leito em flor, ainda o sono sangra e sou a meiga luz do sol que te acolhe no azul fresco do céu.
hoje é Domingo e o meu tempo corre para ti, como corre a corça para o caçador sem o saber emboscado, vou a ti de encontro à morte lenta da distância a que nos obrigas. lanço o barco à água e remo pela vida acima, contra o fluxo que sempre me leva um pouco mais perto de ti, mas a cada novo avanço, a corrente vem ruir a barca e eu volto atrás, um pouco mais longe, um pouco mais perto, vou, remo, recomeço. entro. por vezes não estás, ou escondeste os teus membros e a tua voz, emboscando os olhos num redil. aprisionas-te e o dédalo é imenso para cobrir com os simples passos que os pés produzem. uma vida inteira não me chegará para te chegar. mas venho pelas manhãs ao labirinto fazendo alto o meu insípido voo, para te acompanhar águia nos céus, talvez nuvem com asas de condor, talvez apenas mulher e gentil, na imensa flor a que se resume o meu sentir. regresso o olhar para a minha paisagem, serena descida ao encontro de mim, sei-me ágil a ser feliz onde nada me perturbe o pensamento. é nesses momentos que as borboletas se dissipam no sopro da natureza, já não levam asas, mas pólen e brisa, leveza e exaustão, um fim consumado em pura beleza. não sentir mais do que as coisas que a vista vê, ser as próprias coisas, ser o objecto e não o ser que o prende. hoje é Domingo e eu procuro o ser que objectivo no rasar do sol ao meio dia. não sei se me busco a mim, se a nós, porque tu não existes na paisagem que te criou. é dia de cascatas e fontes, dia de muita água pela encosta da serra, dia de espera e desencontro. hoje é Domingo, vamos procurar-nos no precipício do nosso mundo?