já não é meu o sangue que me percorre a estrada, permaneço tão sóbria no mesmo lugar que a estrada desapareceu do horizonte, onde às vezes me perdia por ti. eram momentos de inocência, pensar que pudesses ser a estrada e o destino, eu guiava-me para longe, ia e voltava, estava exilada dentro de mim e só a esperança de me seres estrada me permanecia. há impermanências que nos ficam pegadas à pele, a rotina é o avesso da estrada, não te circula o sangue pela retina, é um caracol às voltas, cego, estúpido e o amor, o amor é a impermanência maior. e era bom saber que podias ser um dia estrada, a esperança percorria as curvas em velocidade vertiginosa e cada viagem desasossegava. agora a estrada e tu são rotas opostas, sendo que paradoxalmente a estrada caminha-me, e eu não a vejo, a estrada precede-te e tu és a estrada. viajo contra a corrente do sangue, não saio do lugar, limito-me à desfilada do sangue numa estrada marcada a palavras, setas e tabuletas, semáforos e atalhos que me levam cega para a desembocadura do teu corpo, o asfalto em que me acendo. ver-te e não te tocar - o tormento da viagem em que não se parte e não se chega, mas se está. como explicar ao tempo a permanência do corpo num lugar onde não esteve? a diferença entre o espaço e o tempo está na dimensão onírica de cada um, imaginamos um espaço, mas não podemos imaginar um tempo, o tempo é inexorável queda, a medida maior. o espaço prende-nos, retém-nos, distrai-nos dos ruídos do mundo, o espaço é abstracto e pode ser lindo, o espaço é uma estrada, a estrada és tu.