o cursor intermitente, a pulsar na espera da palavra, a caixa de texto branca e indecisa, sob olhar que tenho atento à frase e nada desponta da boca muda que está seca, hirta nos dedos que fazem as sílabas. tanto adjectivo para indeterminar a dúvida, tanto socalco nas frases arrancadas a pulso, dialéctica de frágeis razões. admite. não sou capaz de escrever. trouxe-te tanto tempo na tinta dos meus olhos, no desenho ousado das palavras e não soube dosear a tempo a entrega. foi tarde demais ou precoce o tempo da dádiva. era uma orla fina a cintura estreita do abraço e tão rasa a descida que te escrevi de mim que consecutiva foi a distância que nos desviou de nós. do mundo encoberto pela escrita resta a própria escrita, acto delicado, activado no cérebro que de Eros se perdeu. a escrita que se desprende tendo como fim a inventariação de estados, a medição compulsiva e cruel dos novos registos da voz e da distância. tenho para mim que é crime acrescentar uma palavra só que seja aos despojos de uma ficção vívida no sangue, um romance maior do que o tempo, porque nunca o teve. não, já não sei escrever. não vês que me pesam as palavras, que sou rocha agreste de uma rugosa fraga e assim me extingo, assim, sem sangue, numa semântica sem sentido, tirando o exercício desta caligrafia digital aqui lançada profundamente real na folha branca da nossa irrealidade?