segunda-feira, 7 de maio de 2007

por mim, o amor



por mim a Lua nunca se escondia
atrás da face obscura da morte
ou da desgraça... por mim
nem as montanhas tinham neves altas
e nunca um jardim cedo secava
nem a febre do vento havia de pegar
nas almas frágeis às tantas da madrugada
por mim não havia sequer amarras
nem prisões atrás das grades
nem sequer poços tapados
nem qualquer espécie de pássaros
de má índole, daqueles que nos atravessam
o espírito a meio da tarde e nos agouram
a geada em vez da liberdade
por mim todo o amor atravessava o luar
a qualquer hora em supersónica velocidade
havia de cair amor na neve e no granizo
a chuva havia de lamber a pele com amor
e o vento levantaria saia e vestido às flores
rasgava lúbrico a camisa dos mancebos
e os dorsos haviam de parecer
troncos soerguidos
e as pernas das belas seriam
bambus acetinados
vergados pelo desejo, e o amor acontecia
a todos mesmo sem ter corpo: seria o amor ternura,
o amor entendimento e o amor olhava
o amor sorria, o amor abraçava e depois seguia
o amor seria a notícia maior do dia
por mim havia amor até às horas de ponta
e às horas laborais entre a folgas e a faina
o amor picava o ponto sempre ao passar
o amor em feiras e arraiais, o amor em lugares de pedra
o amor em lugares irracionais e o amor em hospícios
orfanatos e lares de morrer e não ficar
o amor seria tanto e tão naturalmente oficial
que o amor havia de se transformar
em produto nacional - a energia reciclável do amor
exportada para onde o ódio se inflamasse
o amor a arma letal: por mim o amor matava a guerra
e pum, acabava de nascer o paraíso
Adão e Eva seriam gestores da indústria livre do amor
em time-sharing o amor nunca parava
cada um o seu manufactor, com direito aos lucros
e ao valor do capital - mais produzir e mais amar
o amor havia de curar o buraco no ozono
e a desertificação do olhar - por mim, o amor
passava a ser obrigatório, como o sol ou o sorriso
o amor seria o melhor amigo...

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