caminhava pela ala mais ocasional, conforme virasse de um lado ou de outro, "nunca atravessar um corredor, nem sequer com os olhos", mas percorrê-lo até ao fim, lateralmente sobre a carpete vermelha de passos abafados, as carpetes insonorizam, deixam lugar aos sons das velhas casas, filtram a companhia dos bichos da madeira, a sua indiferença pelos passos, escondem as aranhas atentas, tecedeiras do silêncio e da armadilha, "cuidado com os cantos, devias seguir sempre pelo meio", mas ela gosta de passar rente ao coração dos bichos rastejantes, sempre lateralmente.
já em pequena a mesma regra, nunca atravessar um corredor de passo dado com a ousadia, nunca o passo em frente para atravessar os olhos das portas, jamais cair de uma parede para a outra, as paredes costumavam fugir-lhe na queda, preferia manter as paredes ao lado sem as abrir. era uma espécie de jogo de vida e de morte que inventava nas horas ociosas do monte, enquanto lá fora a canícula esventrava a terra e a carne dos homens.
também havia outras regras: jamais se deter na porta muda, nunca bater sequer com o olhar, mas seguir, ficar a olhar para trás, ou imaginar a mão na maceta pendurada no instante, deixar que o instante que antecede o momento fosse mais digno e belo do que o próprio momento, não deixar falar o momento, para que não se lhe esgotasse todo o sangue poupado arduamente, a partir do absorvente vermelho do tapete. nunca entrar de viés ou a direito num corredor, regra seguinte, os corredores causam maus encontros, podem constituir estradas rectilíneas até ao começo e haver gente que nos ocupe a passagem em toda a extensão do corredor contra a parede, pequena e magra, a regra era deixar que todos passem, onde irão com a pressa no ventre?
já não havia o lavrar das cigarras como dantes, o monte esboroou-se na memória como os pais e a paixão pelo jogo da solidão, apenas aquele corredor numa casa branca como o leite do seu corpo quando nu, e vermelho como o sangue pontual do mês.
horas moribundas as horas no monte, uma casa de habitação plantada num ermo e searas à volta, um olival mais além, disperso, em busca da sua própria matriz. nenhum padrão no silêncio. o medo de sair e ser vista por tanta gente no vastíssimo ninguém que lhe acenava em redor.
desse silêncio moribundo ficou-lhe a certeza de que nunca se chega ao fim de um corredor, apenas se chega ao seu princípio e no percurso apenas a segurança das duas paredes, linearmente severas e amigas, com tanta gente para lá de cada porta, gente guardada, sem ela correr o risco de se sentir espreitada. e um outro silêncio, interior e uterino e tão móvel! um silêncio em marcha.
e seguia assim, cada vez mais adentro na direcção do lado ocasional, sem som, o deserto de uma casa insonorizada, nada no fundo do corredor, nada no início, o silêncio da ala direita, a penumbra da ala esquerda. assim, pelo corredor, à busca do fim. o jogo até ao fim da memória, chegada ao último passo, via-se o princípio e do princípio voltava a caminhar-se para o fim. o útimo passo nunca era.
a responsabilidade de dar o último passo, o passo de ficar por ali, magnetizada pela maçaneta de uma porta, por vezes, a mão fugia e assinalava as rugas da parede, estas pareciam aumentar todos os dias, a parede já velha, sem elastecidade, sem carmim na maçã do riso, a parede pálida sem vontade de falar. e ela percorria a parede até a esgotar. um dia perguntaram-lhe por que não parava um bocadinho para descansar num dos quartos. respondeu que nunca se devia entrar dentro de uma pessoa sem primeiro se pedir licença.